4ª feira
Sem dúvida, Angola é um País de contrastes! Há locais de uma
beleza inesquecível, mas a desorganização e sujidade em que muitos angolanos
parecem gostar de viver é algo que nos choca e confunde frequentemente.
Mais uma vez a caminho do hospital...
Dia de cirurgias, após a usual visita aos doentes que
operámos nos dias anteriores. O trabalho é igual para todos, fazemos parte do
corpo clínico.
A bela dupla começou a dia a remover uma “hérnia inguinal”,
que na realidade era um lipoma volumoso, e a corrigir uma verdadeira hérnia
inguinal pela técnica, muito falada entre cirurgiões, de Shouldice.
Após ter realizado a minha primeira histerectomia no dia
anterior, ajudei agora a muito simpática e diligente colega de Obstetrícia,
Priscilla Cummings, numa histerectomia radical, com esvaziamento ganglionar
ilíaco...um espectáculo, “flawless”.
Isto, enquanto o Jorge ajudava o Dr Estevão em 2
procedimentos: 1 uretroplastia e 1 Nissen
(aberto, claro).
Ao sair do bloco, já a anoitecer...
5ª feira...o dia dos “restos”...que acabou por não o ser.
A caminho do trabalho, assim como estes 2 jovens a caminho da
escola, com os respectivos bancos em que se sentam diariamente.
Habitualmente, a 5ª feira é para operar os doentes que não
pudemos operar no dia anterior. A estes juntam-se por vezes doentes da
urgência...foi o que aconteceu neste dia.
Aqui está a sala de recobro...nada mal...mas reparem que não
há monitores e este é um local frequentemente de passagem, já que a maioria dos
doentes faz o verdadeiro recobro na enfermaria. Se a administração do nosso
hospital sabe que isto é possível...
Foi uma delícia...fiz a minha primeira cesariana, sob
orientação de um outro colega extremamente competente e interessado, emergencista
de formação nos EUA e esposo da Dra Priscilla – Dr Daniel...”demos à luz” um bebé
do sexo masculino, cheio de vitalidade.
Entretanto, tinha chegado ao SU um jovem de 26 anos, com
febre e dor abdominal com 4 dias de evolução, que apresentava agravamento
progressivo do estado geral, já com alteração do estado de consciência e um
abdómen agudo, carecendo de exploração cirúrgica urgente. O Jorge realizou uma
laparotomia exploradora, com identificação de trombose venosa mesentérica, sem
outras alterações de relevo. Aquando da entubação foi observado material
epitelial a ser exteriorizado, tendo-se interpretado o caso como difteria. O
prognóstico era já sombrio, tendo o doente falecido 5 horas após a cirurgia. A
sua sobrevivência já seria difícil num hospital como o nosso, com Unidade de
Cuidados Intensivos, quanto mais nas condições existentes.
Ao fim da manhã, acabámos da mesma forma...encharcados!
À tarde...consulta com o Dr Estevão. Observámos, como já é
habitual, uma grande variedade de casos...desde uma senhora com um bócio com 10
anos de evolução, a um senhor com um tumor da cavidade nasal já tri-recidivado,
a um jovem com um “desvio da coluna” (segundo a radiografia e o médico do
hospital onde a havia realizado) mas que não se traduzia ao exame físico, a uma
jovem praticamente amaurótica desde há 1 ano, mas sem nunca ter sido efectuado
um estudo aprofundado do caso, a uma senhora idosa com perdas hemáticas
vaginais há mais de 1 ano que apresentava um tumor gigante do cólo do útero, a
uma jovem com crises epilépticas (15/15 dias) “intratáveis”, que já apresentava
um nítido défice cognitivo sequelar, sem nunca ter sido devidamente estudada...foi
um dia de casos desgraçados, emocionalmente pesado...
É 6ª feira...Yeahhh, trabalhei a semana inteira....
Lembram-se da jovem do ameloblastoma mandibular? E ainda não
é o resultado final...
Dia de endoscopias (cistoscopias na sua maioria, e algumas
EDAs). Foi bom para treinar o manejo do endoscópio, que nunca tínhamos tido a
oportunidade de realizar. Eu e o Jorge pudemos fazer, cada um, 2 EDAs e várias
cistoscopias!
Ao início da tarde coloquei um dreno torácico para drenagem
de um piopneumotórax, numa menina de 4 anos...O Jorge entrou numa prostatectomia
transvesical.
Olhem a delícia de tesouras que temos...não há agrafos, logo
não há tira-agrafos, só temos estas fabulosas tesouras...já não nos voltamos a
queixar das tesouras do Pedro Hispano (...ou talvez não).
É pouco habitual, mas hoje conseguimos observar o entardecer
já fora do hospital.
And...Pizza
night (the last one)...já que na próxima 6ª feira estaremos no Hospital de
Kalukembe.
Meus amigos....
ResponderEliminarTanta experiência científica, prática cirúrgica, experiência humana e pessoal!
Impressionada com o que se consegue fazer com tanto pouco, e pensar como às vezes se faz tão pouco com tanto! :)
Continuem a aproveitar na metade que falta...
E Jorge...guarda uns euros/dolor para garantires que as malas chegam ao Porto!
Beijinhos
Ana Povo
As fotos serão efectivamente para mais tarde recordar, mas acho que a experiência já não vai a lado nenhum...vai estar para sempre dentro de vocês!!! Eh lá...estou nostálgica..lol!!!
ResponderEliminarMuitas beijocas de Santa Maria da Feira e Matosinhos, Portugal
Depois de algum tempo que não tive oportunidade de passar por aqui para ver as notícias, hoje estive a ler as novidades e realmente a experiência a cada dia que passa parece ser cada vez mais enriquecedora! Dá para perceber que quando estamos longe destas realidades tendemos a esquecermo-nos delas, é muito importante sermos relembrados que existem pessoas no mundo com grandes carências e que vocês no blogue descrevem muito bem! O estado de pobreza das imagens é impressionante num país que com tantas riquezas naturais poderia dividir a riqueza de uma forma muito mais equitativa! Beijinhos e força!
ResponderEliminarOh meninos, tenho problemas com esta nova tecnologia dos blogs e dos comentários :( é da idade ;) Mas tenho seguido atentamente as novidades... aproveitem muito, daqui a pouco já estão de volta!
ResponderEliminar(ah enviei-vos fotos do jantar com o pedro para "matar saudades", não sei se chegaram!)
"O trabalho é igual para todos, fazemos parte do corpo clínico"
ResponderEliminarTalvez em Matosinhos devessemos copiar Lubango...
Como sabeis, metade de mim vai hoje também para Angola. É bom ver que neste século XXI o intercâmbio e o benefício são mútuos, ao contrário da exploração do século passado. Passo a passo havemos de melhorar o que as gerações precedentes estragaram. Vocês são disso um sinal.